Marco era um rapaz jovem, daqueles meio amorosos, porém
patéticos. Estava falando ao telefone com sua namorada a três meses. Era Anna
Bianca, uma mulher independente e romântica, uma amante de Legião Urbana e Tom
Jobim. Ele estavam naquela baboseira de “você é isso, você é aquilo, você é
mais”:
- Ai amor,
você estava com tanta cara de sono lá na loja hoje.
- Estou
sempre com cara de sono Marco Antônio. Eu fico com fome, e ainda tenho que
ficar trabalhando.
- Calma! Não
quis te encher.
- Hunf
- Vai, sua
vez de puxar assunto...
- Falar o
quê?
- Sei lá,
fala qualquer bobagem, você é boa nisso
- Qual a cor
dos meus olhos?
- O quê?
-Isso mesmo
que você ouviu qual a cor dos meus olhos?
-A, mas isso
é fácil, são castanhos, com um tom esverdeado, como aquelas obras
impressionistas de Monet.
-Errou Marco
Antônio! São pretos feito jabuticaba! Eu não posso acreditar nisso, tchau Marco
Antônio! – E afundou o telefone até quase sair do outro lado da linha
-Aloo, aloo,
Biaaa, Anninha...Ele não dormiu naquela noite.
No dia seguinte, nem sinal de Anna Bianca. Ela foi falar com
ele só três dias depois. Mas já era tarde. Marco Antônio não conseguiu apagar a
crônica dos olhos da cabeça. Pintou as paredes de sua casa toda de preto.
Passou a beber só Coca Cola, e quando não tinha ele pedia àqueles refrigerantes
que pareciam cola de sapateiro, contanto que fossem de Cola. Antes ele pintava
lindos quadros de potes de frutas coloridas, mas agora ele só pintava corvos
negros à noite. Escutava agora Black Metal, com as letras mais inteligíveis e
com os músicos ainda mais peludos.
Anna Bianca ficou desesperada, disse que perdoava ele, que
esqueceria toda aquela história de cor dos olhos. Mas ele era obstinado, e
decidiu largar o emprego por uma vaga em uma estação da Petrobrás, que separava
o piche do restante.
Parou de falar com os familiares, pois sua família toda
tinha olhos azuis, inclusive os próprios. Então um dia, ela chegou para ele
falou:
-
Marquinhos! Linducho! Já te falei para parar com isso, já esqueci daquela
história. Mas pare com essa mania de preto.
- Jamais! Eu
esqueci a cor dos seus olhos, é como uma mãe esquecer o nome dos filhos.
-Vai ver foi
o reflexo, a luz do lugar.
- Anna
Bianca, não me venha com essa. Você não vai me convencer.
-Preciso te
confessar uma coisa, uso lente.
Os filhos
dos dois nasceram com um olho de cada cor, metade da casa era azul e metade
preta.