sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A cor dos olhos

Marco era um rapaz jovem, daqueles meio amorosos, porém patéticos. Estava falando ao telefone com sua namorada a três meses. Era Anna Bianca, uma mulher independente e romântica, uma amante de Legião Urbana e Tom Jobim. Ele estavam naquela baboseira de “você é isso, você é aquilo, você é mais”:
- Ai amor, você estava com tanta cara de sono lá na loja hoje.
- Estou sempre com cara de sono Marco Antônio. Eu fico com fome, e ainda tenho que ficar trabalhando.
- Calma! Não quis te encher.
- Hunf
- Vai, sua vez de puxar assunto...
- Falar o quê?
- Sei lá, fala qualquer bobagem, você é boa nisso
- Qual a cor dos meus olhos?
- O quê?
-Isso mesmo que você ouviu qual a cor dos meus olhos?
-A, mas isso é fácil, são castanhos, com um tom esverdeado, como aquelas obras impressionistas de Monet.
-Errou Marco Antônio! São pretos feito jabuticaba! Eu não posso acreditar nisso, tchau Marco Antônio! – E afundou o telefone até quase sair do outro lado da linha
-Aloo, aloo, Biaaa, Anninha...Ele não dormiu naquela noite.

No dia seguinte, nem sinal de Anna Bianca. Ela foi falar com ele só três dias depois. Mas já era tarde. Marco Antônio não conseguiu apagar a crônica dos olhos da cabeça. Pintou as paredes de sua casa toda de preto. Passou a beber só Coca Cola, e quando não tinha ele pedia àqueles refrigerantes que pareciam cola de sapateiro, contanto que fossem de Cola. Antes ele pintava lindos quadros de potes de frutas coloridas, mas agora ele só pintava corvos negros à noite. Escutava agora Black Metal, com as letras mais inteligíveis e com os músicos ainda mais peludos.
Anna Bianca ficou desesperada, disse que perdoava ele, que esqueceria toda aquela história de cor dos olhos. Mas ele era obstinado, e decidiu largar o emprego por uma vaga em uma estação da Petrobrás, que separava o piche do restante.
Parou de falar com os familiares, pois sua família toda tinha olhos azuis, inclusive os próprios. Então um dia, ela chegou para ele falou:
- Marquinhos! Linducho! Já te falei para parar com isso, já esqueci daquela história. Mas pare com essa mania de preto.
- Jamais! Eu esqueci a cor dos seus olhos, é como uma mãe esquecer o nome dos filhos.
-Vai ver foi o reflexo, a luz do lugar.
- Anna Bianca, não me venha com essa. Você não vai me convencer.
-Preciso te confessar uma coisa, uso lente.

Os filhos dos dois nasceram com um olho de cada cor, metade da casa era azul e metade preta. 

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